prefeitura de valenca-ba

quinta-feira, 22 de março de 2012


Conheça os direitos da infância | Proteção integral

VANDA SIQUEIRA 20/03/2012

SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2 comentaram
CONTO DA ESCRITORA E POETISA CORA CORALINA – do livro POEMAS DOS BECOS DE GOIÁS E ESTÓRIAS MAIS

“NOTA - De como acabou, em Goiás, o castigo dos cacos quebrados no pescoço.



Foi com a morte da menina Jesuína. Era minha bisavó quem contava. Eu era pequena, ouvia e chorava. Me parecia eu mesma, a pequena da história.

Havia na cidade, contemporânea de minha bisavó, uma tal de dona Jesuína, senhora apatacada, dona de Teres-Haveres. Sempre encontrada nos velórios, muito solidária com a morte e com os vivos, ali permanecia invariavelmente até que os galos amiudassem. Tinha seus escravos de serviço e de aluguel, entre estes a escrava de dentro, de nome Prudência. Está no completo. Nas medidas exigentes do tempo. Sem preço. Deu a sua sinhá vários crioulos de valor que mais enricaram a velha dona. No fim veio aquela que tomaria o nome de Rola, afilhada e alforriada na Pia, o que era legal e usado no tempo. Rola teve casamento de capela fechada dizendo sua condição de moça-virgem.

Não tardou muito por essas e tais razões e sofismas, a se representar hética. Diziam: gálico do marido. Certo que depois de várias vomitações de sangue (hemoptises) que a levaram, deixou no mundo uma menina que a madrinha batizou também com seu próprio nome-jesuína. A pequena, um fiapo de gente, veio para os braços da avó, trazida pela sinhá madrinha. Filha de mãe hética, débil, franzina, foi espigando devagarinho, imperceptivelmente, mamando no seio fecundo da negra avó que fez renascer o seu veio de leite por amor à neta. Certo, ia vivendo e crescendo dentro das regras do tempo velho. Nem escrava, nem forra. Meio a meio em boa disciplina.

Não era má, dona Jesuína, antes de boa justiça, madurona, severa, experiente.

Jesuína encostou-se afinal nos dez anos. Magrinha, grande olhos de espanto para a vida. Medrosa, obediente, agarrada a sua regalia uma boneca de pano que a madrinha teve a bondade de consentir.

Em qualquer pequena falta, a ameaça: "olha que eu tomo a boneca..." A menina apertava a bruxa no peito magro e se espiritava.
Tinha algumas obrigações. Varria a casa, apanhava o cisco. Lavava umas tantas peças de louça e aprendia a ler. Tinha, nas vagas, sua carta de a-bê-cê, sentadinha no canto, tomando propósito.

Dormia numa esteirinha nos pés da grande marquesa de sobrecéu armado, da madrinha. Velhos pedaços de forro eram a coberta.

A obrigação: de pela manhã descer os tampos da janela, apagar a lamparina de azeite, chegar as chinelas nos pés reumáticos da madrinha, apresentar o urinol para os alívios da velha. Regra certa, imutável, consolidada, sem variação. Um chamado - Jesuína, a menina de pé, pedindo a bênção, praticando a obediência.

Aconteceu que um dia a tampa da terrina escapuliu das mãos da menina e escacou. Foi um escarcéu. Dona Jesuína estremeceu em severidades visíveis, e se conteve: "que não fizesse outra..."
Teria contudo de ser castigada, exemplada: um colar de cacos quebrados no pescoço e a bruxa consumida. Proibido chorar. Assim era e assim foi. Coisas do tempo velho. A cacaria serrilhada, amarrada a espaço num cordão encerado, ficava como humilhante castigo exemplar, de que todos se riam até que num longíncuo dia santo alguém se lembrasse de punir por aquela retirada.

No caso da menina continuava. Dormia e acordava com seu colar de pedaços desiguais e serilhados de jeito a permanência. Tinha nas casas gente afeita a essas artes, elaboravam com simetria e gosto maldoso. Naqueles tempos refastados, qualquer castigo agradava e eram agravados com motes e aprovação convincentes.

Aconteceu que, naquela noite, dona Jesuína foi acordada com uns resmungos, gemidos quase, vindos da esteirinha. Ralhou: "Aquieta muleca, deixa a gente durmi..."

Tudo aquietou e a noite continuou seu giro no espaço e no tempo. Na alcova, o círculo amarelo da velha lamparina de azeite. Os quadros de santos imóveis nas paredes. Depois novo resmungo, uns gemidinhos, coisa de menor.

De novo, a velha da sua alta marquesa: "vira de banda, menina, isso é pisadeira, não vai mijá na esteira..."
O silêncio se fez. A velha voltou ao sono, acordou nas horas. "Jesuína, Jesuína." Nada de resposta. Comentou: "pois é, enche o bucho, vem pisadeira, não deixa durmi, e de manhã ferra no sono".
A lamparina, sua luz escassa e amarelada em meia claridade. Dona Jesuína desceu as pernas, os pés deram um molhado visguento e frio. _ "Pois é, enche a barriga e ainda suja na esteira..."Jesuína”, gritou forte. No silêncio da alcova os santos veneráveis, frios, hieráticos. A velha abriu a janela num repelão.

Abaixou, sacudiu a menina. Recuou. A criança estava fria, endurecida e morta. A esteirinha encharcada. Durante a noite, no sono, uma aresta mais viva de um dos cacos serrilhados tinha cortado uma veiazinha do seu pescoço, e por ali tinha no correr da noite esvaído seu pouco sangue e ela estava enrodilhada, imobilizada para sempre.

A notícia correu. As amigas de dona Jesu vieram e deram pêsames, justificando: foi a mãe que veio buscar a filha.
Foi assim, com o sacrifício da menina Jesuína, desaparecendo em Goiás o castigo exemplar do colar de cacos quebrados no pescoço. Quando chegou a minha vez já era só um caco.
No meu sono de criança, tinha a sensação de uma sombra debruçada em mim. Era minha bisavó ajeitando o caco, tirando para fora da coberta.
Não fosse acontecer com Aninha o que acontecera com a menina Jesuína, cria da dona Jesu.”

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objetivo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990)

“Enquanto a sonhada viagem não se realiza, sem que a esperança nos abandone, alimentamos a vida que vivemos com o trabalho de alicerçar as nossas bases, dando a elas a solidez que sustentará seu prumo. .. Haverá um tempo de colheita farta, a incerteza deste tempo exige nos mantenhamos soldados alertas sempre.” (Antes do sonho... Juarez de Oliveira – retirado do Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado de Paulo Lúcio Nogueira)

  

Cidades não conseguem atender às necessidades das crianças, alerta UNICEF

Nova Iorque, 28 de fevereiro – O processo de urbanização exclui dos serviços essenciais centenas de milhões de crianças que vivem nas cidades, alerta o UNICEF no relatório Situação Mundial da Infância 2012: Crianças em um Mundo Urbano.
Segundo o relatório, em poucos anos, a maioria das crianças crescerá em cidades e não em zonas rurais. No mundo, o crescimento de cerca de 60% da população urbana está relacionado ao nascimento de crianças em cidades.
“Quando pensamos em pobreza, a imagem que vem à mente é a de uma criança em uma comunidade rural,” diz o Diretor Executivo do UNICEF, Anthony Lake. “No entanto, as crianças vivendo em favelas e periferias estão entre os grupos mais desfavorecidos e vulneráveis no mundo. São privadas do acesso aos serviços mais básicos e têm negado o seu direito de se desenvolver.”
“Excluir essas crianças não apenas impede que elas desenvolvam todo o seu potencial, mas também priva as sociedades dos benefícios econômicos de uma população urbana com saúde e educação”, disse Lake.
No mundo, as cidades oferecem para muitas crianças a oportunidade de ter acesso à escola, aos serviços de saúde e às áreas de lazer. No entanto, as mesmas cidades são cenários de grandes disparidades em relação à saúde, à educação e às oportunidades.
Em várias regiões do mundo, a infraestrutura e os serviços não estão sendo ampliados no mesmo ritmo do crescimento urbano e as necessidades básicas das crianças não estão sendo atendidas. As famílias em situação de pobreza, muitas vezes, pagam mais por serviços de qualidade inferior. O custo da água para comunidades pobres, por exemplo, pode ser até 50 vezes maior para moradores que compram esse bem de provedores privados em relação aos valores pagos por comunidades vizinhas, que têm acesso ao abastecimento canalizado.
As privações enfrentadas por crianças em comunidades pobres urbanas são muitas vezes obscurecidas pelas médias estatísticas, que não distinguem moradores de baixa e de alta renda das cidades. Quando as médias são usadas para fazer políticas públicas urbanas e distribuir recursos, as necessidades dos mais pobres podem ser ignoradas.
Construindo cidades para as crianças - É crucial adotar o foco da equidade, ou seja, dar prioridade para as crianças mais vulneráveis, onde quer que elas vivam.
O UNICEF encoraja os governos a dar prioridade às crianças e aos adolescentes no processo de planejamento urbano e a melhorar e ampliar os serviços para todas eles. No Brasil, as eleições municipais deste ano representam uma grande oportunidade para os eleitores votarem em prefeitos comprometidos com a causa da infância e da adolescência.
De acordo com o UNICEF, são necessários dados desagregados e precisos para ajudar a identificar as disparidades entre crianças nas áreas urbanas. A falta desse tipo de dados é uma evidência de que esses temas não têm sido levados em consideração.
Os governos podem fazer mais, mas a ação das comunidades também é um fator fundamental - O relatório aponta que é preciso reconhecer os esforços das comunidades para lidar com a pobreza urbana e apresenta exemplos de parcerias com as comunidades, principalmente, envolvendo crianças e adolescentes.
A publicação aponta que essas parcerias têm alcançado resultados concretos, como a melhoria de infraestrutura pública no Rio de Janeiro e em São Paulo, o aumento das taxas alfabetização em Cotacachi (Equador) e o preparo mais efetivo para situações de desastre em Manila (Filipinas). Em Nairóbi (Quênia), adolescentes mapearam as favelas onde moram para oferecer informações aos planejadores urbanos.

Plataforma dos Centros Urbanos - No Brasil, a Plataforma dos Centros Urbanos, do UNICEF, implementa uma metodologia inovadora nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro desde 2008. A iniciativa envolve autoridades municipais, estaduais, as próprias comunidades e o setor privado. O objetivo é fazer com que crianças e adolescentes que vivem em comunidades populares (favelas ou periferias) sejam prioridade nas políticas públicas, reduzindo as iniquidades socioeconômicas que afetam suas vidas.
Utilizando diagnósticos discutidos em parceria com as comunidades, as prefeituras municipais atuam para  cumprir 20 metas na área da infância e adolescência.
As 80 comunidades populares que participam da iniciativa, por sua vez, são apoiadas a planejar e implementar ações para alcançar metas relacionadas à melhoria das condições de vida de seus meninos e meninas. Nesse processo, as comunidades trabalham em articulação com organizações não governamentais, representantes locais do poder público e empresas.
Até o momento, como resultado desses esforços, já foram desenvolvidas, por exemplo, políticas públicas para melhorar o atendimento a casos de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, aprimorar a qualidade da educação e ampliar o atendimento à gestante e ao bebê.
Nas  comunidades, observa-se uma maior integração entre alunos, professores e pais, a revitalização de espaços públicos, a melhoria de serviços de saúde e assistência social, a criação e o fortalecimento de redes locais.
O primeiro ciclo da Plataforma dos Centros Urbanos será encerrado este ano com a divulgação dos resultados da iniciativa e com o reconhecimento das comunidades que mais avançaram em relação às metas previamente definidas.
Em nível global, o UNICEF e o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-HABITAT) estão trabalhando juntos há 15 anos na iniciativa Cidades Amigas da Criança (Child-Friendly Cities Initiative) para construir parcerias capazes de colocar a criança no centro da agenda urbana, ampliar a oferta de serviços e criar ambientes protetores e acolhedores.
“A urbanização é um fato e temos que investir mais nas cidades, dando mais atenção à oferta de serviços para as crianças que mais precisam,” disse Lake.

Mais informações
Sarah Crowe
Consultora Senior de Mídia
UNICEF New York
E-mail: scrowe@unicef.org
Telefone: Mobile: +1 646 209 1590,
Maurizio Giuliano
Coordenador de Communicação, UNICEF México
E-mail: mgiuliano@unicef.org
Telefone: 52 155 385 82559
Peter Smerdon, UNICEF Nova Iorque
E-mail: psmerdon@unicef.org
Telefone: +1 917 213 5188
Estela Caparelli, UNICEF no Brasil
E-mail: mecaparelli@unicef.org
Telefone: (61) 3035 1963
Pedro Ivo Alcantara, UNICEF no Brasil
E-mail: pialcantara@unicef.org
Telefone: (61) 3035 1983